Varanda de Madeira ruidosa, era
onde estávamos sentados, lembro-me desse dia: uma quinta-feira de primavera, as horas já
estavam avançadas noite adentro, calma e amena; com o silêncio produzido pelos
que dormem e os que respeitam o escuro da noite, conseguia ouvir os trovões da
chuva que caia a muitos quilômetros. Assistia o movimento dos bichos noturnos.
E, com a caneta em punho, tentava escrever algo que fosse tão contemplativo
quanto aquele momento de solidão prazerosa. Sim, ficar sozinho é prazeroso, não
o tempo todo, claro.
Costumo dizer que nem sozinho eu
fico de fato sozinho, nesses momentos eu me faço companhia e quase sempre meu
Eu lírico também aparece, apesar de nossa relação ser um tanto conflituosa.
Colocamos a conversa em dia, lavamos nossas roupas sujas, e damos risadas dos
nossos próprios infortúnios. Reforçamos os votos de segredo das coisas que são
só nossas.
Tentando escrever alguma coisa
que valesse a pena, vinham em minha mente ideias não tão boas, algumas melhores,
outras piores. Passados vinte minutos, se quer tinha encostado a ponta da
caneta no papel. Engraçado que quanto mais se tenta apurar as ideias antes de
escrever, pior elas vão ficando, até perderem completamente o sentido. E
escrever coisas sem sentido só é permitido aos artistas de verdade. Rabiscadores
de palavras, como eu, acima de tudo, tem que conhecer os próprios limites. Já têm
textos ruins suficientes espalhados por toda parte.
Há tempos queria escrever um
romance - minha neta, noutro dia, disse que romances são para velhos. No auge
dos seus nove anos, disse a ela que tinha razão, fiz cosquinha em sua barriga e
fomos assistir desenho animado.
Não poderia ficar de fora do meu
romance, uma mulher como Alice: espírito forte, discernimento aguçado,
personalidade radiante, inteligência em demasia, feminilidade em tudo que é
seu, dona do meu mundo, a quem eu devoto todas as homenagens. Esposa, mulher,
companheira, confidente, amiga. Protagonista do que há de melhor em mim.
Meus filhos, razão primeira para
que eu me tornasse uma pessoa melhor... ou um pouquinho menos pior. Nada se
compara a esse sentimento que se tem por um filho.
Perdi bastante... dinheiro, tempo
com coisas sem importância, amigos, viagens, minha carteira e celulares
[incontáveis vezes], dizer coisas de que gostaria, elogiar, xingar, brigar,
pedir desculpas. Mas ganhei também... mais ganhei do que perdi, acredito.
Fracassos, arrependimentos,
saudade, cheiro de material escolar novo dentro da mochila, alegria, vergonhas,
gargalhadas, beijo na boca, filmes ruins, decepções, orgulho, raiva, o primeiro
carro zero, festas, brigas, velórios, fralda suja, porres, brigas, time do
coração, tatuagem, gírias esquecidas... sim, eu vivi tudo isso.
Depois de me emocionar relembrando
todas essas coisas tomei minha decisão: desisti de escrever o romance, acho que
essa é a decisão mais acertada. Minha vida já foi um belo romance, com
personagens reais, e estórias de amor e aventura. Agora, após tantas páginas
escritas nas linhas da vida, viradas uma a uma pelo tempo, o desfecho é
simplesmente comtemplar minha obra. Meu ego, em silêncio, concorda, sorrindo
ternamente. Eu lírico sorri um sorriso honesto, como poucas vezes vi em seu
rosto, toma a caneta de minha mão, e escreve “fim.” na folha deitada sobre
minhas pernas. Continuamos, os três, sentados na varanda de madeira ruidosa.
[rh.março.2013]
imagem: http://imagens-de-fundo.blogspot.com/2011/05/