30/06/2009

Já tive uma vida simples...




Lembro-me da casa dos meus avós, gostava de ir pra lá principalmente aos domingos, dia em que a família se reunia [como todas as famílias] e eu podia brincar com meus primos. Lá tinha galinhas, cachorros, passarinhos, frutas esperando para serem colhidas... Um lugar que, apensar de ser apenas uma casa dentre outras da cidade, tinha essa atmosfera bucólica e interiorana.

Eram os últimos anos da década de 80, a expectativa de uma vida melhor que a nova Constituição Federal criara, amenizava o sofrimento daqueles que ainda tinham feridas abertas pela ditadura; a Xuxa vivia seu apogeu no reino dos baixinhos; a URSS definhava em silêncio e a guerra fria finalmente se amornava; Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva e Chico Mendes tinham sonhos bons; a moda escalafobética [definição emprestada de Rogério Skylab] adornava os cabelos e as roupas da juventude com um colorido incompreensivelmente descombinante; a Argentina ainda festejava a conquista da Copa de 86...

Mas nada disso importava. Quando se tem cinco anos de vida tudo que se deseja é não perder os pais de vista, ir pra casa da avó aos domingos e esperar o dia de Natal e o Dia das Crianças.

A casa dos meus avós era muito modesta, simples como a própria vida daquele casal. Logo na entrada tinha um pé de Jambo que ofertava aos visitantes uma sombra aconchegante. Jambo é uma frutinha de sabor previsível que eu achava muito engraçado porque a associação de seu nome com a do Rambo [sim, ele mesmo... o do filme, meu ídolo de infância] era sempre inevitável, mesmo ele nunca tendo comido Jambo nas selvas do Vietnã ou descansado a sombra de uma árvore daquelas.

O interior da casa tinha um cheiro úmido de moveis velhos de madeira; suspenso sobre o portal de acesso a cozinha tinha um relógio de madeira imenso, ele era marrom e parecia ser mais velho que seus próprios donos, na sua parte inferior havia um pendulo e eu punha-me a observá-lo, curioso, já que não sabia ver as horas dos ponteiros, me contentava apenas em olhar seu movimento infinito. Ao meio dia em ponto ele badalava, como uma máquina do tempo que rasgava o dia ao meio com aquele som metálico ecoante, como um sino de igreja de algum vilarejo.

Na cozinha tinha um armário verde-claro e uma pequena mesa de madeira, lembro-me de que todas as superfícies que fossem minimamente planas eram forradas com tecidos bordados ou pintados, cuja beleza estava muito mais no fato de serem extremamente limpos e delicadamente dispostos para ornamentar, do que pelo luxo dos tecidos ou beleza das estampas.

Lembro-me que havia uma pequena varanda na frente da casa, onde uma cadeira de balanço convidava os visitantes a se balançar. Lembro-me também de ter comido muitas vezes macarronada com pasteis de carne.

Gente simples, num lugar simples comendo comida simples... A vida parecia simples, assim como reunir todas aquelas pessoas ao redor daquele casal simples.

Só muito tempo depois que o Seu Romualdo e a Dona Mercedes morreram é que percebi que nada foi simples, custou muito esforço deles cultivar o pé de Jambo, criar todos os filhos, erguer aquela casa e manter todos unidos por tanto tempo dentro dela.

Hoje, não existe mais nada do que eles construíram e, a vida, esta mais complicada do que nunca.


[rh.30.06.09.01:51]

foto: acervo da família (Comemoração das Bodas de Ouro).

Um comentário:

  1. RH, parabéns pelo belo texto, prosa poética da melhor qualidade, em especial a alegoria do relógio dividindo o dia ao meio.

    Jambo, em Costa Rica, chamava-se jamelão e, por conta disso, nunca havia o associado ao Rambo. ;-)
    Soube depois de um tempo que era conhecido como Jambo por aqui. Por falar nisso, não acho o gosto nada previsível e era ótimo ficar com a língua roxa ao final de um dia empoleirado e comendo a saborosa (ao menos era) frutinha.

    A vida já foi, de fato, mais simples. Acho que, em algum momento, valores essenciais foram esquecidos e nossas preocupações mudaram muito, migrando de coisas essenciais para supérfluas.

    Abraços!

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